A LIÇÃO DA ERA DIGITAL

O principal estudo mundial sobre educação comprova que computadores melhoram o desempenho dos alunos. Só falta o Brasil aprender isso.
Luciana Vicária
POUCAS MÁQUINAS
Alunos da Escola Estadual Professora Maria Peccioli Giannasi, de São Paulo, disputam os computadores da sala de informática
Pela primeira vez um estudo internacional comprova que o computador melhora o desempenho escolar. Uma pesquisa feita pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) acabou com qualquer dúvida ainda existente sobre a importância da tecnologia na educação. O estudo faz parte do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), da OCDE, a principal referência de comparação de desempenho escolar entre países.
Para avaliar o impacto dos computadores, os pesquisadores levaram três anos analisando os dados da pesquisa. Consideraram tanto a quantidade de máquinas disponíveis nas escolas quanto o uso delas em casa pelos alunos. Cerca de 79% dos estudantes nos países desenvolvidos já usam computador para fazer os trabalhos escolares. 'Os computadores são um recurso poderoso ainda subutilizado na maior parte dos países', afirma Andreas Schleicher, um dos autores do estudo.
O resultado, divulgado no início deste ano, revela que países como os Estados Unidos, a Austrália e a Coréia do Sul têm um computador para cada três alunos nas escolas. Uma média invejável mesmo para os melhores colégios brasileiros. O Brasil, que ficou em penúltimo lugar no estudo da OCDE, oferece uma média de um computador para cada 50 alunos.
79% dos estudantes nos países desenvolvidos já fazem os trabalhos no computador
Uma das conclusões mais importantes da pesquisa foi revelar como a tecnologia deve ser aplicada na educação. A primeira constatação é que não basta ter máquinas à disposição dos alunos. É preciso orientá-los. O estudo do Pisa mostra que o desempenho em matemática e leitura melhora quando os alunos usam softwares educacionais pelo menos uma vez por semana. Mas a performance cai quando usam mais que isso.
'Assim como a falta dos computadores está ligada aos alunos de menor desempenho, o uso exagerado também desvirtua os estudantes e não os coloca entre os mais bem avaliados, como se poderia imaginar, afirma Andreas Schleicher. 'É possível que na maior parte do tempo eles se dediquem a chats e jogos eletrônicos, que são fascinantes na idade deles, mas que precisam de limites porque podem desvirtuar o foco na educação.'
O estudo sugere que é função da escola, em um mundo cada vez mais dominado pela tecnologia, mostrar aos alunos como fazer uso produtivo do computador. A informática faz diferença quando é incorporada à pedagogia, seja como ferramenta de pesquisa, seja por meio de jogos, seja por softwares educativos. 'Não faz a menor diferença escrever uma redação em papel ou digitá-la em Word', diz Sérgio Ferreira do Amaral, professor da Faculdade de Educação da Unicamp e coordenador do Laboratório de Novas Tecnologias Aplicadas à Educação.
Mas o bom uso do computador, afirma Amaral, transforma o ambiente educacional. Dá ao aluno um conteúdo que o professor seria incapaz de trazer para a sala de aula. Rompe com o modelo tradicional de ensino, que se caracteriza por um professor falando e vários alunos tomando nota. O conhecimento passa a ser produzido em conjunto, e a reflexão dos estudantes ganha importância.
'O aluno deixa de ser passivo e o professor deixa de ser o dono do conhecimento', afirma Maria Elizabeth Pinto de Almeida , da PUC-SP, coordenadora de um projeto de formação de gestores para escolas públicas estaduais. Os alunos, diz ela, se tornam agentes do conhecimento. Os professores, orientadores do aprendizado. Muito daquilo que era para ser decorado, sem explicação, é questionado. 'Para que memorizar tudo se basta acessar o Google?', diz Amaral, da Unicamp.
Várias escolas brasileiras já acordaram para a importância da informática no ensino. Motivada principalmente pelo alto índice de indisciplina de seus alunos de 5a e 6a séries, o colégio Miguel de Cervantes, escola de elite paulistana, levou o computador para dentro da sala de aula comum. 'Os alunos evoluíram mais rápido do que a escola pode acompanhar. Agora, estamos aprendendo a conversar na mesma língua deles, a dos bits', diz Roberto Veloso, administrador do colégio e responsável pelo projeto de informatização das salas de aula.
No Cervantes, o professor pode baixar uma música ou uma imagem da rede enquanto explica o conteúdo. 'O professor gasta mais tempo com o que realmente interessa', diz Veloso. 'Não tem mais de escrever o conteúdo na lousa, e o aluno se concentra na explicação.'
#Q:A lição da era digital - continuação:#
MULTIMÍDIA
Algumas salas do colégio Cervantes, em São Paulo, têm telão informatizado e quatro computadores para os alunos
Mas escolas como essa são exceção no país. A penúltima colocação do Brasil na pesquisa da OCDE revela como o ensino por aqui está defasado. Até o fim deste mês, todas as escolas estaduais de São Paulo terão computadores. É uma conquista inédita para o país, mas ainda distante do satisfatório. A maioria das escolas tem meia dúzia de computadores para mais de 1.500 alunos. Poucas sabem usar a computação no aprendizado. Nem todas têm acesso à internet. E faltam professores preparados para utilizar os recursos.
No Brasil, os diretores cujas escolas têm um computador para cada 16 alunos já se dizem satisfeitos. Nos países desenvolvidos, eles só ficam felizes quando oferecem um computador para cada cinco alunos. 'É prova de que a informática ainda não é vista como prioridade na sala de aula', afirma Amaral, da Unicamp.
Não falta só computador. Falta prioridade. No Brasil, ao contrário do que ocorre nos países ricos, as máquinas vão preferencialmente para os setores administrativos da escola, longe de alunos e professores. Aqui, 39% das máquinas são usadas por funcionários da tesouraria e de outras funções gerenciais. Apenas 18% vão para os professores e 47% para os alunos. Nos países ricos, a administração escolar fica com 10% das máquinas e 64% vão para os alunos. 'Não é preciso lembrar que, em qualquer escola, há muito menos funcionários administrativos que professores ou alunos', diz Betina von Staa, coordenadora pedagógica do portal Educacional, o maior site de conteúdo didático do país.
Até mesmo as camadas mais privilegiadas da população estão em desvantagem em relação à pontuação média obtida pelos países que participaram do estudo. De acordo com a pesquisa, 66% dos estudantes da faixa de renda mais alta da população brasileira usam computador em casa. É uma média não muito distante da faixa mais pobre dos países desenvolvidos, 57%.
Diretores de escolas brasileiras ficam satisfeitos com um computador para cada 16 alunos
O segmento mais abastado da população dos países ricos oferece computadores para 93% dos estudantes. Algumas escolas públicas brasileiras tentam encontrar saídas para a falta de recursos. Na Escola Estadual Professora Maria Peccioli Giannasi, no Jardim Ângela, periferia de São Paulo, a informática se tornou ferramenta obrigatória para o aprendizado de todas as disciplinas.
Os professores tentam fazer milagre com apenas 11 computadores e um contingente de 1.926 alunos. A sala raramente está desocupada. Há um profissional para orientar os professores e treinamento intensivo. 'O ensino com a informática está mudando a forma como os professores lidam com o conhecimento', afirma Rosangela Karam Saito, diretora da escola. 'É mais eficiente e mais atraente para os alunos.'
Se serve de consolo, alguns países ricos, como Japão e Alemanha, não estão tão bem colocados na pesquisa como era de esperar. No Japão, não faltam computadores equipados com os melhores recursos para aulas audiovisuais. Mas o conhecimento ainda é passado da forma convencional, em aulas expositivas. 'Como resultado, eles precisam estudar mais tempo que os americanos para alcançar o mesmo índice no aprendizado', diz John Gulliver, do Centro de Pesquisa Aplicada em Educação, na Inglaterra.
No Japão, cerca de 90% das instituições de ensino exigem que os alunos dediquem 40 horas semanais à escola. Na Alemanha, a situação é parecida. Grande parte dos alunos só acessa o computador em casa, e o professor ainda é o principal transmissor de conhecimento. 'Os alemães separam a tecnologia da educação', afirma Gulliver. 'Nos EUA, com tecnologia, aprende-se mais com menos tempo de aula. Os japoneses e alemães sofrem mais para aprender.'
Os países mais digitalizados:
Nações com maior quantidade de computador por aluno
1Liechtenstein
2Estados Unidos
3Austrália
4Coréia do Sul
5Hungria
6Nova Zelândia
7Áustria
8Canadá
9Japão
10Dinamarca
Recurso é escasso nas escolas
O Brasil ficou em penúltimo lugar
entre 41 países
Média de alunos por computador
Brasil50
Países desenvolvidos6,25
Fotos: Foto: Thís Antunes/ÉPOCA, Maurilo Clareto/ÉPOCA

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